Tem-se tornado cada vez mais freqüente, especialmente entre algumas escolas privadas, o costume de prescrever tarefas escolares a serem realizadas pelos alunos nas férias. Há desde escolas que indicam a leitura de livros a outras que chegam a enviar cadernos de exercícios para os dias de recesso escolar. Muitas famílias aprovam, preocupadas com a preparação de seus filhos para tantas competições que precisarão enfrentar vida afora - para entrada no ensino superior, para os programas de estudo no exterior, para o mestrado e o doutorado, para as melhores vagas nas melhores empresas... Outras famílias questionam, indagando se escolarizar também as férias contribui, de fato, para a formação de um ser humano que não levará apenas a mente para as competições, mas será chamado a se envolver por inteiro nestas - e em muitas outras situações e dimensões da vida.
Meus filhos tiveram algumas tarefas nessas férias. As professoras orientaram a ler livros de literatura e dedicar um tempo ao estudo dos cálculos matemáticos, especialmente os “fatos fundamentais”. Mas a principal tarefa era muito especial: “decorar o verso”. Quem lê essa expressão pode pensar na tradicional prática de decorar poesias para declamar. Porém, na Escola Miguel Arcanjo tal expressão tem um significado próprio. Trata-se, sim, de uma tradição, mas apenas nas escolas orientadas pela Pedagogia Waldorf. E é uma prática bastante reveladora da profundidade da experiência formativa vivida pelas crianças nessas escolas.
“O verso” nesse caso é, na verdade, um poema especial para aquela criança, escrito pela professora de classe. O “verso individual” é entregue pela professora, em um ritual próprio, no último dia de aula do ano. Deve ser decorado pela criança durante as férias e, no ano seguinte, será declamado por ela para a turma, uma vez por semana, em geral no dia da semana em que nasceu. A professora de classe escreve o “verso individual” a partir de um profundo conhecimento de cada criança e da dinâmica peculiar vivida por ela no seu processo de desenvolvimento. Assim, cada “verso” busca catalisar significados simbólicos relacionados ao perfil da criança e/ou indicativos das novas etapas a serem percorridas, dos desafios a serem vencidos e das metas a serem alcançadas. Tudo isso em uma linguagem poética que em nada expõe a criança, mas, ao contrário, valoriza, encanta e, suavemente, estimula.
Durante as últimas férias, lendo o “verso individual” de cada um de meus filhos para eles à noite, antes de dormirem – conforme é a orientação da escola -, não pude deixar de, mais uma vez, encantar-me com a sensibilidade e a delicadeza de uma Pedagogia que de fato se volta para o ser humano em sua integralidade. Que privilégio poder contar com professoras que conhecem tão bem estas crianças e suas trajetórias, a ponto de traduzir em palavras, com tanta pertinência e beleza, seus potenciais e suas necessidades de desenvolvimento! Professoras que são educadoras no sentido mais pleno da palavra. São capazes de olhar para cada um desses pequenos e enxergar uma complexa e particular dinâmica que integra corpo, mente, alma, espírito em um ser peculiar, com uma história única. E são capazes de “assoprar” sobre essa história suas palavras de vida, de amor e de confiança, suscitando as melhores energias de crescimento e de superação.
Mais uma vez, sinto-me grata: na Escola Miguel Arcanjo, orientada pela Pedagogia Waldorf, “desenvolvimento integral” não é apenas uma frase em uma peça publicitária e sim uma diretriz educacional vivida em profundidade. Lá, descubro que uma “tarefa de férias” pode ser uma verdadeira tarefa de Vida.
Tânia Resende, pedagoga, doutora em Educação, mãe de duas crianças matriculadas na Escola Miguel Arcanjo
Fevereiro de 2015
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